terça-feira, 26 de julho de 2011

Buscas na Web

Como prometido, mais um texto do artista plástico Diogo Werneck discutindo arte, mundo virtual e nova imaginação!!!!!!

Buscas na Web

Não pude deixar de conter minha surpresa quando vi aquela imagem. Tão rápido, fácil e mais do que eu esperava.
Susan Sontag (2003), em obra que discute as imagens geradas sobre conflitos mundiais - desde gravuras de Goya que ilustram a guerra na Espanha até vídeos e fotografias de eventos recentes, como os atentados às torres gêmeas - descreve várias imagens, mas não há nenhuma nas páginas do livro.
Pode se pensar que a intenção da autora é que o leitor busque essas imagens por conta própria, instigado pela referência. E, atualmente, com ferramentas de buscas ultra velozes na internet, se pode acessar uma dessas imagens digitando “Eddie Adams 1968”, autor da imagem trabalhada e selecionando a busca por “imagens”, encontra-se exatamente a imagem desejada, conjuntamente a uma sequência replicada da mesma nos vários endereços virtuais onde é possível acessá-las.
Diante dessas imagens não há como ficar indiferente, é conhecida e chocante. Segundo Sontag, um chefe da polícia sul-vietnamita executando à queima-roupa um prisioneiro suspeito de ser vietcongue. Fotografia esta replicada em série com apenas um clique. Não suficiente, a pesquisa ainda sugeriu outros resultados de busca: uma foto do 11 de setembro; outra foto de Adams de crianças fugindo de um ataque aéreo; um pastiche da fotografia produzida em “Lego” e uma outra foto do mesmo período da guerra no Vietnam.
É certo que a experiência que se tem de uma imagem muda dependendo de onde ela se encontra. Em um álbum, no jornal, em um vídeo, uma exposição ou até mesmo em um site enquanto se navega pela internet. Nas mídias impressas o contato com a imagem se faz com uma leitura direcionada e objetiva, no vídeo a imagem é dinâmica e efêmera quanto ao seu tempo de exposição, numa exibição de fotografias o olhar tem um enfoque mais preciso quanto à construção da mesma.
Mas, em todos esses casos, a imagem é apresentada apenas uma vez na tela, instituída de sua própria “aura” (BENJAMIM, 1980), afeta a percepção de uma maneira bastante objetiva, diferentemente deste outro momento em que é acessada pela internet. Pois, ela se repete quadro a quadro, diminuta, quase insignificante, mas para um olhar sensível, não disperso ao acúmulo de estímulos, sua expressão está se repetindo a cada visada, um choque a cada pequeno quadro.
No decorrer da história, a imagem e onde encontrá-la sempre estiveram relacionados. Quando nas paredes das cavernas com as pinturas rupestres, as imagens religiosas nas tumbas e nas igrejas, os afrescos, a pintura de cavalete e por fim no Museu. Mas com o desenvolvimento da mídia, a imagem parece ter rompido sua forte ligação com o lugar.
Esqueçam punctum - o que me punge- (BARTHES, 1984), foco, ponto de fuga, perspectiva, composição, enquadramento. Estes quesitos de analise crítica da imagem são dificultados quando esta se repete incessantemente multiplicando os mesmos.
Além do que, se está infectado por todo o resto das imagens que se percorreu para chegar a esta, por todos os elementos da interface dos programas em processo pelo computador. A experiência outra, é estar em contato com o monitor digital. Uma superfície que representa o vazio tanto quanto uma tela de pintura, mas não se refere a mesma dimensão de uma tela de pintura.
Por isso, se fez relevante atentar para esta sensibilidade, tão recorrente na veiculação das imagens contemporâneas, e que o olhar que não consegue acompanhar deixa escapar e se perde em informações visuais. A imagem emitida pelo monitor é repleta de botões, palavras, signos e cores que podem ofuscar o mais sensível dos olhares.
Basta se concentrar um pouco para observar como todas as informações da tela se fazem conectar de alguma forma e extrapolar seus significados. Todas as opções dadas nas funções da interface, a frase digitada na caixa de texto para a pesquisa, a hora que foi pesquisada, os arquivos e sites abertos simultaneamente, toda a interface dos softwares - sistema operacional, navegador de internet, página da internet - a relação entre as imagens apresentadas são, enfim, uma verdadeira convergência de informações acontecendo em um mesmo instante.
Para começar a analisar este “instante”, como fragmento do fluxo de imagens virtuais, e assim buscar compreender onde ela se encaixa neste fluxo de imagem/informação, devemos entender alguns pontos sobre como ela é formada.
Basta saber que o computador é uma máquina que esta constantemente processando códigos binários, e que todas as funções do computador são consequências desse processamento. Disto, já podemos entender que não se trata de um universo real, dado a natureza conceitual e virtual do número. Embasados no conceito de Pierre Lévy (1996), por exemplo, dizemos que o processamento de números pelo computador tem a ver com o par possível/real, pois acontece de fato e a nossa compreensão desses números se relaciona com o par virtual/atual, posto que não se apresenta em um lugar de fato e depende de uma interpretação humana para com os números. Portanto, se trata de uma questão que beira o digital e o virtual.
Voltando à imagem gerada pelo monitor, que é o objeto da problemática e pensando neste “lugar” digital, entendemos que esta é baseada em números, é digital/virtual, e sendo assim, todos seus elementos também são: cor, luminosidade, forma, palavras, ícones.
Por ser uma imagem virtual, ela deve ser constantemente atualizada para que seja percebida no tempo, se montando em um fluxo de processamento de dados constantes, mas que se alteram de acordo com as informações trocadas entre usuário e computador.
Ao ligar o computador e iniciar seu processamento, é preciso uma interface que o usuário compreenda e seja capaz de operar dados, este chamado de sistema operacional (JOHNSON, 1997). Seguindo isso, a fim de acessar um banco de imagens disponível em uma rede de computadores, é necessária uma interface de um programa que o usuário compreenda e seja capaz de operar pela busca de informações na rede de computadores, o comumente chamado navegador.
Já navegando pelas redes de computadores, o usuário precisa de um programa que organize um banco de imagens, que seriam os chamados endereços da rede, sites, lugares. Acessado o banco de imagens, o usuário deverá escolher qual delas deseja visualizar. Somente então visualizará a imagem desejada.
A velocidade em que isto acontece não pode ser comparada à busca de imagens reais, como ir ao museu ou a uma biblioteca. Tudo isto acontece em instantes, num lugar real fixo diante de um “lugar” virtual. Por isso, ao olhar a imagem gerada pelo computador, temos que pensar que tudo o que vemos, são as marcas do “percurso virtual” que fizemos para chegar à imagem desejada. Tudo esta marcado pelas informações que o usuário recebeu e enviou ao computador.
A imagem que nos aparece na tela esta carregada de elementos. Na parte inferior a barra do sistema operacional, com ícones, pastas abertas, funções simultâneas e um relógio digital; no navegador temos a barra de título, barra de funções, barra de ferramenta, lacuna para preenchimento de endereço digital e de busca, abas de sites abertos; no site temos a barra de funções, uma barra de ferramentas lateral com uma série de opções de filtro da imagem como dimensão, configuração e paleta de cores, uma lacuna de busca do site e finalmente uma primeira série de imagens referentes à palavra-chave e que podem ser encontradas em diversos endereços virtuais.

Ilustração 1: Buscas na web, print screen.
Fonte: WWW.google.com.br/ Eddie Adams. Acesso em 04 jun. 2010.
A princípio, há que se atentar para o que parece ser uma mescla de texto e imagem bidimensional. Os incontáveis ícones são ao mesmo tempo palavra e imagem, pois o que importa para a leitura do mundo virtual – ciberespaço - é como “olhamos” o mundo virtual e, assim, tanto esta como aquela têm a função de fazer com que o usuário consiga “scanear” a tela com maior rapidez e interpretar seus significados. Por exemplo, o título do site de buscas Google que é uma palavra, mas também é imagem em sua composição de cores e formas das letras, as já conhecidas “logos”, comuns desta interface.
A partir desta característica podemos pensar em uma dissolução da análise crítica de imagem que visa a interpretação e avaliação das obras artísticas (ARGAN, G.,1995). Não é possível achar um ponto de foco - o olhar que a defina em si -, mesmo tendo ali a imagem artística presente. Não podemos olhar para apenas uma das fotos e ignorar sua cópia ao lado, a repetição, as palavras que a cercam, os botões e ícones, tudo em um mesmo campo visual.
Este é um dos principais problemas de se olhar para uma imagem no mundo virtual. Como ignorar todos os elementos que compõe a tela do computador? Isto seria reflexo de um consumismo exagerado das informações ou encontramos realmente algo que faz par a nossa imaginação? Questões que constituem a problemática do presente trabalho.
Observamos que a imagem e a palavra se confundem em um só aglomerado de informações. Agora, para observar a forma temos que assumir que não se trata de uma só composição. A cada interface de programa que abrimos há uma nova composição de formas. Apesar de sua semelhança quanto a ícones, palavras e barras, cada programa busca adequar a sua composição de acordo com a sua função utilitária, pois é o seu uso que dita a composição, por exemplo, a organização das ferramentas de um programa de texto e de um programa de edição de imagens que são formalmente distintas.
Ao recordar um quadro de Kandinsky, ou Malevitch, mesmo Mondrian, poderíamos aparentar a forma concreta de círculos e paralelas à composição dessa interface. Porém, nesta, cada uma dessas formas teria uma “função” e, vale lembrar que, não se trata de uma função como a utilidade de produto - prática, material -, mas sim um gesto de interatividade.
A natureza da forma virtual observada na superfície da tela do computador é de outra ordem. É “estética pura”, ponto de vista de abstração insuperável (FLUSSER, 2007), muda a nossa experiência sobre o que é útil. Antes que útil, ela apenas representa um ambiente e pode carregar apenas uma função de interatividade. Estamos falando de uma forma que é puramente conceitual, e deve ser entendida dessa maneira. A corporeidade do usuário não será afetada pelos movimentos de dados da tela no que diz respeito a dividir um espaço físico - talvez somente quanto aos periféricos da máquina -, ou seja, o que é afetado por esse espaço virtual, de fato, é a subjetividade do receptor.
Quando estamos diante de uma obra de arte, temos a noção da forma como o gesto da pincelada na tela, ou da forma esculpida, da disposição de objetos, impressão de uma gravura, esta forma é material, palpável e é apreciada, por tal, em si. Diante de um monitor, nossa noção esta mais para a ideia de uma forma que pode ser apenas numerizada.
Pegamos como exemplo a foto de Eddie Adams de 1968 sobre a interface. Sabemos que se trata de uma fotografia que foi gravada analogicamente devido à época em que foi feita e que, por esse motivo, sua cópia original esta impressa em papel fotográfico palpável, mas por ser exibida em um meio digital, todos seus aspectos visuais foram transformados em códigos numéricos processados pelo computador.
O fundo em que ela se apresenta é o fundo de uma interface, que nunca passou por um processo de captação do real, diferente de onde ela poderia se apresentar no mundo real, onde pode ser pregada numa parede de concreto ou segurada em nossas mãos. Logo, devemos encarar esta fotográfia como um objeto que foi retirado do real e codificado em um sistema digital e que não mais pode ser apreciado como algo palpável.
Este distanciamento que experimentamos da imagem original reproduzida em um meio digital é o que Flusser defende como sendo um segundo distanciamento, quando a observamos não mais pela sua percepção objetiva, mas por uma percepção codificada, levando o ponto de vista da imaginação para uma abstração insuperável. É com duplo distanciamento da imagem e o ponto de vista completamente abstrato que se pode experimentar a “estética pura” (FLUSSER, 2007).
Há mais algumas colocações a se fazer, agora quanto à cor. A cor no ambiente virtual, como já vimos, é um código digital, portanto é monocromática e homogênea. Um determinado tom de azul, ou mesmo nuances de tom na tela do computador possui o mesmo código fonte, porém a capacidade tecnológica do monitor de emitir cor e contraste modificam sua decodificação, sendo assim, não é possível perceber a cor como real, mas apenas imaginá-la como tal.
Olhando para a interface do computador, podemos ver como a cor integra um sistema de leitura. Os links escritos são azuis sublinhados; as barras superior e inferior são azuis com detalhe do botão do “menu iniciar” que é verde; a barra de ferramentas é preta. Enfim, as cores seguem certo propósito na interface, mas não deixam de influenciar na maneira como interpretamos o conteúdo. Não se trata apenas de função e utilidade, mas de entender a cor como elemento de uma imaginação virtual.
Por tudo o que foi discutido neste texto, foi possível problematizar a dificuldade de se orientar num ambiente repleto de informações visuais, assim como a percepção que se tem desse mundo não pode ser interpretada do mesmo modo que se interpreta o mundo real. O percurso pelas redes de informação que se faz neste ambiente virtual pode parecer denso e confuso, mas também o é a nossa imaginação, sempre relacionando e refletindo nossas percepções do mundo.
É essa imersão dada pelo percurso, velocidade, repetição e percepção visual que desloca nossa imaginação de um contexto real para a plena subjetivação, convergindo em um só instante o objetivo e o subjetivo, completamente codificada. É nesta “imaginação codificada” que encontramos liberdade suficiente para criar, sem as barreiras de um constante diálogo com o real, pois agora podemos dialogar com um universo virtual.
Enfim, não podemos ignorar este montante de informações que nos deparamos ao imergir no mundo virtual através do monitor. É preciso que tenhamos um olhar crítico quanto a estas imagens e a este universo ou seremos engolidos por esta trama de informações aparentemente ininteligível. Isto se deve, pois ainda enxergamos os novos meios sob o ponto de vista de uma existência linear e precisamos saltar para um nível de existência totalmente abstrato (FLUSSER, 2007, p. 177).
Este acúmulo de dados correndo por todos os lados não se trata simplesmente de um reflexo do consumismo. É parte do ser humano, da nossa capacidade imaginativa de comunicar com nossos semelhantes, a diferença é que o mundo virtual nos dá a possibilidade de fazer isso com grande liberdade, pois não se trata mais de superar condições adversas. Precisamos agora é nos acostumar com este novo modo de estar.
Uma pergunta quanto a isso ainda permite reflexões, mas que não compõem a problemática deste texto. Esta quantidade assombrosa de imagens é apenas o reflexo de uma sociedade de consumo desenfreado? E há qualidade nas imagens que são veiculadas por esses endereços virtuais?
De todo modo, não é possível conter a surpresa de, ao final deste percurso relâmpago por uma rede de informações cruzadas, que o lugar destino é uma fotografia de um acontecimento bastante real, mas que pudemos apenas imaginar.

Nenhum comentário: